segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

DIÁLOGO COM O REAL METAFÍSICO E EDUCAÇÃO DIALOGAL (1)

Isso significa uma educação destituída de autoritarismo. Uma relação de amor e respeito deverá permear o processo educativo, uma vez que nada justifica uma pretensa superioridade do professor que compartilha a vida com os alunos ao invés de impor-lhes disciplinas e autoridade. Todos têm voz e vez e será a criança, o jovem, o adulto que deverão indicar de onde partirá o processo educativo, ouvidos em seus interesses e necessidades.
Significa, também, que é preciso desenvolver nos educandos essa capacidade de análise, de confronto do revelado e das ideias com a realidade, e sobretudo, o direito de interrogar, tornar a interrogar, comparar, discutir, com aquele que pretenda dirigir o processo de ensino. Essa foi a atitude de Kardec para com os Espíritos e não raras vezes ele os interroga até a exaustão de um assunto ou até que digam que não sabem ou não têm meios de explicar-nos.
Essa atitude indagadora, de diálogo com os instrutores, de análise das respostas, de comparação e conclusões baseadas em fatos, merece da parte dos educadores espíritas muita reflexão.
Todos os métodos que nos levem a tirar conclusões impossíveis de serem analisadas e confrontadas com os fatos reais, sensíveis devem servir apenas como opiniões, hipóteses, possibilidades futuras, ou teorias.
Sem esse bom senso na análise dos fatos, estaremos voltando aos comportamentos mágicos e míticos, fantasiosos e imaturos.
A Revelação democrática impõe um ensino e uma educação também democrática que se embase numa participação cooperativa, onde todos, do mais sábio ao mais simples e ignorante, tenham voz.
Do diálogo, o método por excelência da Revelação Consoladora, deve-se retirar o método pedagógico.
Há no método dialógico a magia de perguntar, ouvir e tornar a indagar, para desenvolver numa relação dialética a consciência do homem.
Existe um educador brasileiro que teve um pai espírita, e foi espiritualista, que demonstra uma profunda compreensão da importância do método dialógico na educação. Sua visão da importância do diálogo como método de educação e de desenvolvimento da consciência, valeram-lhe mais de vinte títulos de “doutor honoris causa” das melhores Universidades do mundo.
Diz ele que existem homens que são dominados pela consciência que apenas atinge seus problemas biológicos e vitais. Esse homem vem da natureza e está na natureza, mas não consegue ainda captar os problemas e questões que a realidade propõe a todo ser inteligente.
Nessa condição ele se volta para a magia porque não consegue perceber as relações de causalidade entre os fatos. Como as crianças estabelece relações entre fatos próximos ligados à emoção, mas não consegue estabelecer as verdadeiras causas e seus efeitos. Seus problemas e os de sua vida, sua saúde, seus amores, seu salário, devem ser resolvidos pelos espíritos, pelos santos, pelos orixás, aos quais promete muitas coisas numa relação mercantil.
A realidade é vista supersticiosamente. O homem com esse tipo de consciência não consegue ver sua missão no mundo.
No entanto, na medida em que age no mundo, o homem relacionando-se e dialogando com outros homens é capaz, por si mesmo, de despertar para outro tipo de consciência. Agora, não mais uma consciência tão somente mágica e supersticiosa, mas uma consciência com um nível histórico, onde ele se percebe capaz de transformar a realidade e resolver os problemas que antes entregava aos espíritos, a Deus, ou aos orixás.
No entanto, essa nova forma de consciência interpreta os problemas de modo simples e ingênuo. Ainda persistem as explicações fabulosas, que ele prefere àquelas realistas. Os argumentos para essas explicações são muito frágeis, persiste um forte cunho emocional nos raciocínios. É a consciência do homem massificado, que pode dialogar mais amplamente mas, sem suportar ainda a consciência crítica, pois emocionalmente precisa de certezas absolutas. Tende o homem então a fanatizar-se.
A consciência sem atingir a criticidade tende a fanatismos. Não consegue assim chegar à causalidade. O mítico e o mágico fazem perdurar a falta de lógica e a irracionalidade. Temeroso do mundo e da sua missão, prefere explicações e soluções fantasiosas. Quer prescrições e regras, teme a liberdade. Não consegue se conduzir.
É o homem que prefere acreditar que, no Terceiro Milênio, os espíritos maldosos serão impedidos de reencarnar automaticamente, a aceitar o esclarecimento contido na questão 1019 de “O Livro dos Espíritos”, que afirma: “Mas os maus só a deixarão (refere-se à Terra), quando o homem tenha banido daqui o orgulho e o egoísmo.”
São aqueles que adoram explicações fantasiosas e veem a influência de santos, anjos e espíritos nas coisas mais naturais.
Acham “soluções simples” para questões complexas. Não percebem a organização sistêmica da natureza [1] e raciocinam com ingenuidade comovente dizendo que o homem resolverá o esgotamento da Terra, com cidades cobertas com cúpulas de vidro e agricultura aquática ou aérea. A tecnologia resolverá todos os problemas ecológicos. Será, também, a reforma íntima de cada um somada a de outros que produzirá uma sociedade nova. Cada um, individualmente educando-se, a sociedade será transformada.
No entanto, a medida que amplia seu poder de compreensão e de diálogo as respostas que vai colhendo às questões que surgem ou que percebe, começa a adquirir o nível de consciência crítica. Essa consciência embasada em fatos, sem deformar a realidade, aprende, num esforço consciente da vontade e da inteligência, a interrogar, verificar, confrontar e provocar.
A passagem da consciência ingênua para a consciência crítica não é automática. Exige o estudo, o diálogo, a indagação. Para pensar criticamente, o homem necessita aprender a se sentir seguro sem precisar deformar a realidade.
Aprendendo a criticar e se sentir seguro não vai necessitar de certezas fanáticas.
Pelo fato de ser dialógica e de se aprofundar no estudo das causas, a consciência crítica faz constantes revisões nas suas “certezas” e por isso não é polêmica, nem passional. Essa consciência percebe que tem que se comprometer com a realidade para poder alterá-la. A consciência crítica é a que compreende e realiza um diálogo constante do homem com o homem, do homem com o mundo e do homem com o seu Criador.
É essa consciência que se atinge através de uma educação dialogal e ativa, voltada para a solidariedade, e que se aprofunda na interpretação dos problemas.
Como substitui as explicações mágicas por princípios causais, essa consciência sempre se dispõe a testar os “achados” e a revisar as conclusões. Sua argumentação será segura, evitando as deformações. Sua prática é o diálogo e não a polêmica, sempre aberta ao novo, sem recusar o velho, sempre testando a validade na prática e na realidade. A consciência crítica está sempre inclinada à indagar, argüir, impactar e provocar novas reflexões, outras soluções.
Com uma educação que desenvolva tal consciência o homem não pode deixar de se compromissar para “banir da Terra, o egoísmo e o orgulho”.
Vimos como o diálogo, a indagação, produzem a abertura da consciência e sua criticidade. Não foi outro o resultado da coragem de Kardec ao dialogar com os Espíritos, ao invés de como outros místicos e estudiosos simplesmente passar ensinos prontos de mestres espirituais.
Seria por acaso que o Brasil, onde o Espiritismo se radicou, tenha um educador brasileiro conhecido e respeitado no mundo todo, que ressuscitou o método dialógico, fazendo-o básico de toda educação?
O educador brasileiro reconhecido em todo mundo, que desenvolveu o método dialógico como básico à educação é Paulo Freire.
Em educação, dialogar significa aprender a ouvir por parte de educador e do educando. Ouvir para partir do conhecimento e do interesse do educando. Ouvir para perceber o outro e aí sim, olhá-lo, senti-lo, tocá-lo, trabalhar com ele, movimentar-se com ele, equilibrar-se com ele. É como se através do tato expandido, passemos a sentir o nosso semelhante em seus limites, em suas necessidades, em suas grandezas e em sua pequenez.
Trabalhar em equipe, com nosso semelhante, significa saber prever, planejar, organizar, dividir tarefas, comandar a execução, avaliar o trabalho, verificar responsabilidades e resultados. Isso significa ensinar a decidir o que vai ser feito, o que vai ser cobrado de cada um, para que cada um entenda sua parte, se esforce e a execute. Significa deixar sem fazer a parte que não nos cabe para ensinar ao outro, com infinito amor, como a obra se ressente da sua falta de responsabilidade.
Temos um conceito muito errôneo do que significa amar. Amar segundo nos ensinam é nada exigir, tudo dar, fazer tudo pelo outro, tudo suportar, sem nada exigir, certos de que nosso exemplo e nosso amor sensibilizarão as criaturas. Se nós fizermos tudo pelo outro, além de o prejudicarmos por não lhe ter dado oportunidade de crescer fazendo e criando, estaremos nos prejudicando por estarmos sobrecarregando-nos com tarefas que podem e devem ser divididas. Não foi assim que Jesus ensinou. Ele dividia as tarefas do grupo apostólico, corrigia, às vezes, com inusitada energia as intenções e as pretensões dos discípulos, mostrou-lhes em diversas vezes as dificuldades da vida que iriam enfrentar por amor à causa do Evangelho.
No processo evolutivo do princípio inteligente também passamos da consciência mágica, para a ingênua e desta, através do diálogo, do estudo ou de uma boa educação, para a consciência crítica. Isso só se faz na relação homem mundo e através do diálogo, do relacionamento e da troca entre os seres. A passagem da consciência mágica para a ingênua é automática, mas a passagem para a consciência crítica necessita do relacionamento dialogal, do estudo e da troca constante entre os homens.

Maria Eny Rossetini Paiva


(1) Asas para o infinito, Ed. EME, 1ª ed. abril de 1999 cap. 3, tópico 3.5. Maria Eny Rossetini Paiva é pedagoga, com especialização em Orientação Educacional, Supervisão e Administração Escolar, Psicopedagoga, Supervisora de Ensino da Secretaria de Educação do Estado de S. Paulo, aposentada, Diretora da Casa dos Espíritas, Departamento Meimei Seara de Amor.



[1] Sobre Teoria dos sistemas e organização sistêmica da Natureza, o Curso de Educadores terá aprofundamentos nos Módulos II e III.

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